Imateriais do Brasil
AWÊ - Encontro da lua cheia
MANIFESTAÇÕES CULTURAIS PATAXÓS - AWÊ
Nessa mesma perspectiva documental etnopoética, os registros que realizei se aprofundaram nas manifestações culturais na expectativa de evidenciar a identidade dessa etnia. Retratar um passado marcado pela valorização da ancestralidade e na preservação cultural, aqui representada por uma das marcas simbólicas mais expressivas, conhecido pelo ritual tradicional chamado Awê.
A dança para os índios Pataxós é muito importante e é um patrimônio imaterial dessa etnia. Representa espiritualidade, união, força, estreitamento de laços entre familiares e consolida a cultura de seu povo. A confirmação de identidade desse grupo, ao mesmo tempo que, simbolicamente, é celebrada em momentos sagrados, também são apresentados como prática de manifestações coletivas em dias de lua cheia para turistas.
Como se trata de um código de comunicação entre eles, a dança e o canto de orações em Patxohã, exprimem a comunhão com os outros, entidades e com o meio onde vivem, além do contato com a terra e toda a natureza, consagra-se a aldeia mãe como local especial para a realização desses encontros.
O awê traz a segurança: a dança e o canto são instrumentos de comunhão entre os pataxó, pois o canto é a voz dos espíritos, é mensagem entre as pessoas que faz viajar entre histórias, mergulhar em sonhos, viajar por mundos distantes. Na dança, transpira-se energia antiga e recupera-se outras da terra, do ar, da água, do fogo e de todas as energias positivas que formam a natureza. A dança e o canto Pataxó buscam a harmonia do canto dos pássaros, o barulho das águas, o movimento das nuvens, o silencio das pedras, o ruído dos ventos, o calor do sol e a pureza da luz… É assim que celebram e revivem com os antepassados tudo o que são, buscando neles a força para continuar lutando e enfrentando os desafios da vida. (Site mukamukaupataxo/rituais-cantos-e-danca)
A poesia que caracteriza os valores e mitos presenciados durante as apresentações na noite de lua cheia, intensificam o clima que almeja expressar fé e devoção. A dança e o canto são instrumentos de harmonia entre o grupo, espiritualidade e conexão com a natureza. Exprime-se a experiência de vida e história dessa cultura onde os valores na roda do Awê são externados e sentidos. Os passos e pisadas fortes no chão são marcados pelos agitos dos marakãyñã, conhecidos como maracás.
São músicas cantadas durante o início até o final de todo o ritual. Existem cantos que são mais alegres em que se expressa o êxito por uma boa caçada ou até mesmo a alegria pela visita dos parentes de outras aldeias, assim como a despedida no encerramento do ritual ou na morte de um parente. Neste caso, são cantadas como uma forma de consolo e dando forca para os familiares. Os cantos também são entoados durante retomas de terra ou uma mobilização demonstrando força, coragem, resistência. Durante um casamento em que se celebra a união entre casais, os cantos são de extrema importância. Para o povo pataxó eles trazem uma significação dentro do ritual. (VIEIRA, 2016, p.37)
Dissertação: A importância do canto dentro do ritual Awê – Vislandes Bonfim Vierira
O Awê não é o único ritual que compõe essas manifestações culturais do povo Pataxó – os rituais são considerados importantes laços entre ancestrais e abrange expressões simbólicas. Existe também o ritual da Aruanda dentre outros encontros, como o corte do cabelo, a reza e o batismo. Alguns relatos de professores indígenas sobre o Awê:
Nossos rituais representam cultura, luta, força e fé. A dança e as músicas são rituais muito importantes. Através do contato com a natureza, recebemos a força de Tupã, como por exemplo o ritual da Aruanda, que é uma planta medicinal feito para tirar maus espíritos. (BAHIA, 2005, p.86)
Nesse aprofundamento de campo são usados os objetos cerimoniais como inalante rapé, vestimentas chamadas tupissay reconhecidas como as saias de fibras, o colar massaká, o cocar urataká, além da pintura corporal e as comidas típicas. A fogueira também é um elemento muito importante nesse dia.
As pisadas fortes e cantos em Patxohã ecoaram longe em noite de Awê. Embora não sejam objetos fazem toda a diferença no ritual e tem uma função muito importante. Além da preparação de todos os integrantes, esses elementos podem afetar aqueles que não estão preparados espiritualmente.
Dança de pisada forte
Trazer essas sensações para o intelecto com a concepção artística ajuda a potencializar as novas interpretações, guiadas pela sensibilidade do receptor da imagem, na tentativa de oferecer ao leitor uma imersão visual através da imagem, que almeja expressar respeito, fé, misticismo e conexões ancestrais como escritura etnográfica.
Ao implementar a técnica de velocidade baixa e a linguagem fotográfica em contraluz nas fotografias, inserida num contexto da noite de lua cheia, consegui alcançar um resultado que gostaria de denotar a experiência vivida de forma a configurar um ar de sagrado e de reconhecimento simbólico do movimento nas práticas ritualísticas.
Momento de defumação na roda das lideranças indígenas
O rapé usado pelos Pataxó é uma mistura de ervas medicinais como a amesca, folha de laranja da terra, folha de fumo, noz moscada e favaquinha. Faz parte da medicina tradicional de muitos povos indígenas e é usado nos rituais do awê. Para os pataxó, o pó tem o poder de conectar energias além de curar o corpo, cura a alma. Essas ervas são torradas no fogo e moídos e servem também como remédio em caso de gripes e resfriados.
O kuhútxuhy que é um rapé onde é, faz dança, então num é rapé comum é um rapé de cura, um rapé de trazer conhecimento, trazer niamisu, bom né? então assim eu recebi é pra mim fazer essa mistura de folhas de ervas para fazer esse kuhú, né! tem vários kuhú ai né. (entrevista Kanatyo Pataxó). (VIEIRA, 2016, p.30)
Inalação de rapé
A prática do ritual Awê tem uma participação assídua da comunidade. É uma manifestação que engloba vários aspectos da cultura pataxó, seja na riqueza simbólica de suas manifestações, seja pela diversidade de seus bens culturais. Eles são resistentes na sobrevivência de sua cultura.
Os saberes que cada um dos anciãos nos tem passado não tem como objetivo serem escritos, descritos e registrados, pois a maneira como lidamos com esses conhecimentos é por meio da transmissão oral. Esses conhecimentos, eles guardam na memória, para que, no momento certo e adequado, sejam ensinados e repassados, como acontece em rituais como o Awê. Durante a roda de ritual do Awê, sempre um dos anciãos ou até mesmo algum jovem fala sobre suas experiências como indígena, sobre lutas e conquistas. E ouvimos também as anciãs falarem sobre luta, a luta de sua mãe, a luta de seus parentes próximos, das primeiras pessoas que cantaram as músicas do awê. Escutamos, ainda, afirmarem que através desses cantos veio a reconquista da terra, e que através desses cantos é que são narrados momentos reais que aconteceram ou que acontecem na aldeia. Isso nos mostra o quanto é importante cantar, pois o canto traz força, traz alegria, é uma formada contar nossas histórias de vida, por isso é importante que cada canto entoado. é se não der pra cantar em um só ritual, o que frequentemente acontece, vamos revezando sempre os cantos, a fim de não esquecê-los. (VIEIRA, 2016, p.48)
A integração dos Pataxós por meio de seus signos étnicos e seus códigos culturais. O embasamento e a reestruturação da ordenação da identidade etnocultural se forma a partir da observação de elementos da cultura material e imaterial. São expressões utilizadas na reafirmação da identidade e são táticas que podem funcionar como estratégias de resistência.
BAHIA. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO. Professores indígenas povo pataxó- leitura Pataxó: raízes e vinências do povo pataxó nas escolas. Salvador: MEC/FNDE/SEC/SUDEB, 2005.
Fotos Caraíva -Bahia 2016